Conheça a história da triatleta Pâmella Oliveira, apoiada pelo Sicoob/ES

A temperatura passa dos 40 graus em Puerto Vallarta, México. A sensação térmica chega aos cinquenta. O corpo parece não aguentar a exaustão de duas horas de competição. As dores e as cãibras aparecem. As pernas bambeiam pela primeira vez em anos. Com o corpo desidratado, Pâmella Oliveira resistiu o quanto pôde. Ao cruzar a linha de chegada dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, desabou no chão. E teve que ser carregada por dois homens para o atendimento médico.

A atleta capixaba lembra perfeitamente do dia 23 de outubro de 2011. “Tinha treinado durante anos, mas os Estados Unidos estavam com duas atletas – Sarah Haskins e Sara McLartyera – que eram muito fortes. E a chilena era boa na corrida. Permaneci junto delas durante quase toda a prova. A última parte da corrida foi muito dura e fazia muito calor. Me esforcei demais, queria muito aquela medalha”. E, no caso de Pâmella, querer é poder. Não seria a dor ou o cansaço que a impediria de chegar até o final. Tanto que antes de desabar após a prova, sua reação foi gritar. Um grito de desabafo, porque sabia que levaria para casa a medalha de bronze. “Gritei para quem duvidou e pra quem torceu. Era emoção demais estar entre as melhores numa das provas de resistência mais difíceis do mundo. Foi a melhor competição da minha carreira. E a mais marcante até agora”, lembra a atleta que, na época, tinha só 24 anos.

Não foi a primeira vez que a triatleta capixaba ganhou medalha nesse tipo de prova. Foi bronze na Copa do Mundo de Triatlo, em Tiszaujvaros, na Hungria; e a 11° nas etapas de Chicago, nos Estados Unidos, e na Cidade do Cabo, na África do Sul; e 13° no Japão, em Yokohama, todas em 2014. Atualmente, ela que é considerada a oitava melhor do mundo na modalidade, e tem um único objetivo: chegar ao pódio das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro.

As reviravoltas da vida

Criada pela mãe no bairro Novo México, em Vila Velha, ela descobriu ainda criança sua primeira paixão: a natação. Aos sete anos estava matriculada na escolinha do bairro. Aos 10 era campeã em sua categoria. “Sempre fui uma menina espevitada, que adorava brincar de correr. Minha mãe me colocou na natação e comecei a gostar daquilo. No início foi difícil, porque não tínhamos dinheiro, por exemplo, para comprar o queijo adequado da alimentação. Mas nada foi barreira”, lembra. Passando férias no Estado, Pâmella abriu a porta do apartamento da mãe, a dona de casa Ana Lúcia Oliveira, em Coqueiral de Itaparica, para a Revista.ag. De unhas pintadas de azul, cabelos preso, sorriso no rosto e roupa de treino, foi logo avisando: “Aproveitei para dar uma corridinha na orla antes de vocês chegarem”.

Pâmella não para. Nunca parou. Foi atleta do Praia Tênis Clube e do Álvares Cabral, na década em que os clubes capixabas exportavam talentos na natação, e participou de campeonatos Brasil afora. Estudava pela manhã e treinava à tarde. “Minha mãe sempre foi rigorosa comigo. Pra continuar treinando eu tinha que ser muito boa na escola”. Aos 14 anos conquistou o primeiro patrocinador, que a acompanha até hoje. “Através de um tio dela, que era nosso associado, conhecemos a atleta. E pelos primeiros resultados decidimos apoiá-la. É incrível a perfomance e a garra da Pâmella quando está competindo. Mesmo quando ela decidiu trocar de esporte, não pensamos em acabar com essa parceria. Brincamos que ela é da nossa família”, conta Bento Venturim, presidente do Sicoob-ES.

Com 17 anos, ao terminar o ensino médio, tomou a decisão: seria atleta profissional. Ia viver a vida mergulhando em piscinas pelo mundo. Foi uma das melhores nadadoras do Brasil. Quatro recordes brasileiros no Campeonato Maurício Backer e a convocação para o Campeonato Mundial na Bélgica, em 2001. Prata nos 100 metros borboleta no Campeonato de Natação José Finkel, em 2003. Campeã Sul-Americana Juvenil nas provas dos 800 e 400 metros livre, em 2005. Era a promessa da natação brasileira. “Era uma boa atleta, mas na natação, após várias vitórias, vem um ciclo de baixa, onde você pode não ganhar”.

Passada a temporada arrebatadora, quando quebrou os próprios recordes, veio o ciclo de derrotas, às vésperas dos Jogos Pan-Americanos no Brasil. Pâmella não estava preparada para ficar de fora da competição. Mas ficou porque não conseguiu vencer as adversárias nas seletivas brasileiras em oito segundos. “Queria muito ter ido para o Pan. Já vinha desestimulada e aconteceu de ficar de fora. Mesmo assim não carrego a culpa de não ter participado”. Em vez de parar, se reinventou. Virou uma triatleta. E certamente muita gente pensou: é doida, maluca, insana. Mas ela apenas comunicou a decisão. “Sofri, relutei e questionei. Achava que o mundo já estava perfeito dentro das piscinas”, conta a mãe.

“Renasci como atleta”

Das piscinas para o Centro de Treinamento de Vila Velha, Pâmella coleciona histórias. Fez teste para integrar a equipe de triatletas que estava sendo formada no Estado em 2007. Tornou-se sargento do exército (cargo que fica até esse ano). Viu que poderia voltar a ser uma campeã. “No início, o treino era com homens e eu sofri. Como a natação trabalha muito a parte superior, tive várias lesões nas pernas. Cheguei a ficar dois meses sem treinar para a recuperação. Mas a mudança me fez muito bem e renasci como atleta”.

Aos 27 anos e morando em Rio Maior, Portugal, ela integra o projeto da Confederação Brasileira de Triatlo de treinamento no país, com o técnico português Sérgio Santos. Oito atletas chegaram com ela, mas só Pâmella conseguiu vencer as dores, o isolamento, a distância da família e permanecer. “Como é uma cidade do interior, sem opções de entretenimento, a gente só treina. Tem que estar muito focada no objetivo, caso contrário não aguenta”, diz.

O esporte virou profissão. Ela chega a treinar diariamente seis horas de bicicleta, duas de natação e 1h30 de corrida. “Rio Maior é um bom lugar pra treinar. Você fica focada e quer superar os limites”. Atualmente tem sete patrocinadores – desde apoio financeiro até aqueles que fornecem material esportivo e suplementação alimentar. Por isso, quando vai dar uma entrevista, sempre aparece de uniforme. Após um hiato de bons nomes no esporte – a carioca Sandra Soldan, a brasiliense Mariana Ohata e a paulistana Carla Moreno fizeram história na década de 1990 – Pâmella é a grande promessa no país.

Rotina de uma jovem

A vida em Portugal é regrada e muito tranquila. Além dos treinos diários, frequenta o curso de Educação Física à noite. Como a cidade está localizada no interior do país, faltam opções de entretenimento. “Não tem shopping ou boate. A única diversão é a Festa da Cebola, que acontece uma vez por ano. Aí a gente se diverte”, conta rindo. Quando o treinador permite, se junta a outros atletas e, de carro, vai aproveitar as praias próximas com os colegas de confinamento. “Para dar um mergulho e sentir a brisa do mar”. Também gosta de assistir desenhos animados e filmes de ação. Ou ler obras do escritor norte-americano, Sidney Sheldon. Solteira, estava namorando até pouco tempo. “Dá para namorar, mas a pessoa tem que entender que sou uma atleta”.

As vitórias não fizeram a cabeça da capixaba. Pergunto quando ela percebeu que era imbatível e que tinha conquistado o respeito das pessoas. Sem titubear, ela responde: “Não sou imbatível e nem posso me achar. Sei que existem competidoras tão boas ou melhores que eu. Treino para ser cada dia melhor”. Sentada no sofá da sala, conta que foi criada na igreja Presbiteriana e que costumava ir aos cultos quando era mais jovem. “Hoje não frequento nenhuma religião. Mas gosto de seguir os preceitos evangélicos e sempre peço proteção antes das provas”. Quando está no Espírito Santo aproveita para comprar Havaianas e biscoitos casadinhos, pra levar pra Portugal, entre outras coisas. E é por aqui também que ela costuma cair em tentação. A tentação, no caso, é a torta de limão feita pela mãe, sua sobremesa preferida. “É superfácil de fazer. Mas é que na cozinha sou péssima”, diz, caindo na gargalhada.

Fonte : Gazeta Online